Serenamente esguia,
Hierática e dolente,
Como colo sereno de gaivota
Sobre espelho da Ria,
A sua Sombra segue em sua rota,
Serenamente...
Ao longe, um Sol doente,
Com laivo outonais de quem tem mágoas,
Vai a enterrar p'rás bandas do Poente,
No Cemitério Oceânico das Águas.
E a sombra desse colo de gaivota,
Serenamente esguia,
Prôa de Barco! - Segue a sua rota
Sobre o espelho da Ria.
Oh Pescador!
Que desenho bizarro e divinal
Foste um dia encontrar
Nas velhinhas legendas do Passado
Que desse a Forma esbelta, original
À curva desse colo encastoado
Nas praias imortais de Portugal?
Foi tua Dama, feita d'Água e Espuma,
-Filha daquelas vagas que, uma a uma,
Morrem na areia assim que a onda parte,
Que ditou o modelo, que não tinhas,
Ao recorte feliz das suas Linhas,
À simbolização da tua Arte?!
Reverberos do Sal lá das Marinhas,
Canções de Amor e Cantos de Sereias;
Grãos Ducados de Escravos e Rainhas
Com Castelos mouriscos nas Areias;
Constelações de estrelas a brilhar,
Névoas de manhã fria, humedecida,
- Tudo deu Forma, e Cor, e Luz, e Vida
À Proa do teu Barco...
É Ela o teu Destino e o teu Tormento...
E, quando se ergue a vela, em noite escura,
Quando se cavalga, em desatino, o vento,
Será também a tua Sepultura.
E a tua Dama de figura estranha,
Essa que tem um verde e estranho olhar,
Aonde, ao mesmo tempo, se desenha
Toda a Alegria e o teu Penar,
O teu Amor e a tua Dor tamanha,
- Prôa de Barco, ao vento, a deslizar...
A tua Dama - Pescador! - é o Mar!
Aveiro, 7.3.1944
Poema retirado do Pasquim, nº 18, III Série, 2008, da Confraria Gastronómica de São Gonçalo.
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