segunda-feira, 14 de abril de 2008

Prôa de Barco





Serenamente esguia,

Hierática e dolente,

Como colo sereno de gaivota

Sobre espelho da Ria,

A sua Sombra segue em sua rota,

Serenamente...


Ao longe, um Sol doente,

Com laivo outonais de quem tem mágoas,

Vai a enterrar p'rás bandas do Poente,

No Cemitério Oceânico das Águas.


E a sombra desse colo de gaivota,

Serenamente esguia,

Prôa de Barco! - Segue a sua rota

Sobre o espelho da Ria.


Oh Pescador!

Que desenho bizarro e divinal

Foste um dia encontrar

Nas velhinhas legendas do Passado

Que desse a Forma esbelta, original

À curva desse colo encastoado

Nas praias imortais de Portugal?


Foi tua Dama, feita d'Água e Espuma,

-Filha daquelas vagas que, uma a uma,

Morrem na areia assim que a onda parte,

Que ditou o modelo, que não tinhas,

Ao recorte feliz das suas Linhas,

À simbolização da tua Arte?!


Reverberos do Sal lá das Marinhas,

Canções de Amor e Cantos de Sereias;

Grãos Ducados de Escravos e Rainhas

Com Castelos mouriscos nas Areias;

Constelações de estrelas a brilhar,

Névoas de manhã fria, humedecida,

- Tudo deu Forma, e Cor, e Luz, e Vida

À Proa do teu Barco...


É Ela o teu Destino e o teu Tormento...

E, quando se ergue a vela, em noite escura,

Quando se cavalga, em desatino, o vento,

Será também a tua Sepultura.


E a tua Dama de figura estranha,

Essa que tem um verde e estranho olhar,

Aonde, ao mesmo tempo, se desenha

Toda a Alegria e o teu Penar,

O teu Amor e a tua Dor tamanha,

- Prôa de Barco, ao vento, a deslizar...


A tua Dama - Pescador! - é o Mar!
Aveiro, 7.3.1944



Poema retirado do Pasquim, nº 18, III Série, 2008, da Confraria Gastronómica de São Gonçalo.

1 comentário:

Anónimo disse...
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